sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Axé

Não se trata exatamente um gênero ou movimento musical, mas uma rotulação mercadológica muito útil para que uma série de artistas da cidade de Salvador, que faziam uma fusão de ritmos nordestinos, caribenhos e africanos com embalagem pop-rock, tomassem as paradas de sucessos do Brasil inteiro a partir de 1992. Axé é uma saudação religiosa usada no candomblé e na umbanda, que significa energia positiva. Expressão corrente no circuito musical soteropolitano, ela foi anexada à partícula music pelo jornalista Hagamenon Brito para formar um termo que designaria pejorativamente aquela música dançante com aspirações internacionais.

Depois que Daniela Mercury chegou ao Sudeste com o show que a estouraria nacionalmente, O Canto da Cidade, tudo o mais que veio de Salvador começou a ser chamado de axé music. Em pouco tempo, os artistas deixaram de se importar com a origem debochada do termo e passaram a dele se aproveitar. Por exemplo, a Banda Beijo, do vocalista Netinho, simplesmente intitulou de Axé Music o seu disco de 1992. Com o impulso da mídia, essa trilha sonora da folia de Salvador rapidamente se espalhou pelo país (com os carnavais fora de época, as micaretas) e fortaleceu-se como indústria, produzindo sucessos o ano inteiro ao longo dos anos 90. Testadas no calor da multidão na Praça Castro Alves e na Ladeira do Pelô, as músicas dos blocos e bandas responderam por alguns dos grandes êxitos comerciais da música brasileira na década. O ano de1998 foi, particularmente, o mais feliz para os baianos: Daniela Mercury, Banda Eva, Chiclete com Banana, Araketu, Cheiro de Amor e É o Tchan venderam juntos nada menos que 3,4 milhões de discos.

Guitarras elétricas

As origens do axé estão nos anos 50, quando Dodô e Osmar começam a tocar o frevo pernambucano em rudimentares guitarras elétricas (batizadas de guitarras baianas) em cima de uma Fobica (um Ford 1929). Nascia o Trio Elétrico, atração dos carnavais para a qual Caetano Veloso chamou a atenção em 1968 na música Atrás do Trio Elétrico. Mais tarde, Moraes Moreira, dos Novos Baianos, teria a idéia de subir num trio (que era apenas instrumental) para cantar – foi o marco zero da axé music. Paralelamente ao movimento dos trios, aconteceu o da proliferação dos blocos afro: Filhos de Gandhi (do qual Gilberto Gil faz parte), Badauê, Ilê Ayê, Muzenza, Araketu e Olodum. Eles tocavam ritmos africanos como o ijexá, brasileiros como o maracatu e o samba (os instrumentos eram os das escolas de samba do Rio) e caribenhos como o merengue.

Com a cadência e as letras das músicas de Bob Marley nos ouvidos, o Olodum criou o samba-reggae, música com forte caráter de afirmação da negritude, que fez sucesso na Salvador dos anos 80 com artistas como Lazzo, Tonho Matéria, Gerônimo e a banda Reflexus – as músicas chegavam ao Sudeste em discos na bagagem dos que lá passavam férias. Logo, Luís Caldas (do trio Tapajós) e Paulinho Camafeu tiveram a idéia de juntar o frevo elétrico dos trios e o ijexá. Surgiu assim o deboche, que rendeu em 1986 o primeiro sucesso nacional daquela cena musical de Salvador: Fricote, gravado por Caldas. A modernidade das guitarras se encontrava com a tradição dos tambores em mistura de alta octanagem.

Uma nova geração de estrelas aparecia para o Brasil: Lazzo, Banda Reflexus (do sucesso Madagascar Olodum), Sarajane, Cid Guerreiro (do Ilariê, gravado por Xuxa), Chiclete com Banana (que vinha de uma tradição de bandas de baile, blocos afro e trios elétricos) e Margareth Menezes, a primeira a engatilhar carreira internacional, com a benção do líder da banda americana de rock Talking Heads, David Byrne. Pouco tempo depois, o Olodum estaria sendo convidado pelo cantor e compositor americano Paul Simon para gravar participação no disco The Rhythm of The Saints.

Guinada para o pop

Aquela nova música baiana avançaria mais ainda na direção do pop em 1992, quando o Araketu resolveu injetar eletrônica nos tambores, e o resultado foi o disco Araketu, gravado pelo selo inglês independente Seven Gates, e lançado apenas na Europa. No mesmo ano, Daniela Mercury lançaria O Canto da Cidade e o Brasil se renderia de vez ao axé. Aberta a porta, vieram Asa de Águia, Banda Eva (que nasceu do Bloco Eva e revelou Ivete Sangalo), Banda Mel (que depois assinaria como Bamdamel), Banda Cheiro de Amor, Ricardo Chaves e tantos outros nomes. A explosão comercial do axé passou longe da unanimidade. Dorival Caymmi reprovou suas qualidades artísticas, Caetano Veloso as endossou. Das tentativas de incorporar o repertório das bandas de pop rock, nasceu a marcha-frevo, que transformou sucessos como Eva (Rádio Táxi) e Me Chama (Lobão) em mais combustível para a folia.

Enquanto o axé se fortalecia comercialmente, alguns nomes buscavam alternativas criativas para a música baiana. O mais significativo deles foi a Timbalada, grupo de percussionistas e vocalistas liderado por Carlinhos Brown (cuja Meia Lua Inteira tinha estourado na voz de Caetano), que veio com a proposta de resgatar o som dos timbaus, que há muito tempo estavam restritos à percussão dos terreiros de Candomblé. Paralelamente à Timbalada, Brown lançou dois discos solos – Alfagamabetizado (1996) e Omelete Man (1998), que com sua autoral incorporação de várias tendências do pop e da MPB à música baiana, obteve grande reconhecimento no exterior. Além disso, ele desenvolveu um trabalho social e cultural de alta relevância entre a população da comunidade carente do Candeal, com a criação do espaço cultural Candyall Guetho Square, o grupo de percussão Lactomia (para formar uma nova geração de instrumentistas) e a escola de música Paracatum.

Enquanto isso, os nomes de sucesso da música baiana se multiplicavam: aos então conhecidos Banda Eva, Bamdamel, Araketu (que em 1994 vendeu 200 mil cópias do disco Araketu Bom Demais), Chiclete com Banana e Cheiro de Amor, juntaram-se o ex-Beijo Netinho e os grupos Jammil e Uma Noites, Pimenta N´Ativa e Bragadá.

Bunda music

Foi em 1995, porém, que deu as caras o maior fenômeno comercial de Salvador. Em seu terceiro disco, o grupo Gera Samba estourou o sucesso É o Tchan, com a ajuda dos sacolejos das calipígias dançarinas Carla Perez (loura) e Débora Brasil (morena). Entre um "segura o tchan" e outro, a banda teve que mudar de nome, processado por um outro grupo, de um irmão do integrante Compadre Washington. Rebatizado de É o Tchan, o antigo Gera Samba inaugurou a face do axé que seria conhecida como bunda music, de ênfase nas coreografias libidinosas em detrimento à musica (que ainda assim trazia uma sólida base de samba de roda) e as letras. Com toda a face showbiz a que tem direito (realizaram-se concursos na TV para a escolha da morena e depois da loura que iriam substituir Débora e Carla), e uma fileira de sucessos produzidos em série (Dança do Bumbum, Dança da Cordinha, Ralando o Tchan, É o Tchan! no Havaí, A Nova Loira do Tchan...), o grupo bateu a barreira do milhão de discos vendidos.

Com o Tchan, disputaram público na segunda metade dos anos 90 nomes como Netinho (Milla, Fim de Semana), Araketu (Mal Acostumado) e Terrasamba (Liberar Geral, Carrinho de Mão), Banda Eva (Beleza Rara, Carro Velho), entre outros. A superexposição nos meios de comunicação e as pressões da indústria inevitavelmente levaram o axé ao esgotamento artístico e comercial. Em 1999, ano em que o pop ressurgiu como uma força, o gênero experimentou um significativo declínio nas vendagens de discos.

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